ARACAJU/SE, 2 de dezembro de 2024 , 4:07:06

logoajn1

O fim da obrigatoriedade do regime jurídico único e o desmonte do modelo de Administração Pública profissional, impessoal e permanente

O Supremo Tribunal Federal concluiu, na semana passada, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2135, que foi proposta pelos Partidos Políticos PT, PDT, PSB e PCdoB (em janeiro de 2000), em face da Emenda Constitucional nº 19/1998, especialmente no ponto em que alterou a Constituição para pôr fim à obrigatoriedade de adoção de regime jurídico único para os servidores públicos.

Há diversos aspectos muito relevantes a destacar com relação a esse fato, como, por exemplo, a inadmissível demora no julgamento definitivo de uma ação direta de inconstitucionalidade (quase vinte e cinco anos!) na qual foram debatidos temas tão relevantes e sensíveis para a organização da Administração Pública Brasileira e consequentemente a prestação e execução de serviços públicos e políticas públicas, bem ainda as possibilidades de controle de constitucionalidade de emenda à constituição, considerado o processo legislativo constitucionalmente determinado para a sua aprovação.

Neste artigo, abordaremos as consequências desse julgamento no que se refere à restauração da redação conferida ao art. 39 da Constituição pela emenda nº 19/98 (isso porque, em 2007, o STF havia concedido medida cautelar nessa mesma ação, suspendendo a redação nova e restabelecendo a redação original do texto constitucional, no ponto) e as suas implicações meritórias.

O fim da obrigatoriedade de adoção de regime jurídico único para os servidores públicos faz com que seja possível a admissão de pessoal no serviço público em distintos regimes. Na prática, isso implica a permissão para que a Administração Pública dos entes federativos admita pessoal tanto pelo regime jurídico estatuário quanto pelo regime jurídico da CLT.

A consequência é a caminhada rumo à total precarização do serviço público. Abre-se as portas para que servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios venham a ser admitidos pelo regime da CLT e, portanto, não tenham estabilidade, podendo ser facilmente assediados pelos governantes de plantão para a realização de tarefas que não sejam do interesse público, sob a ameaça de adoção dos mecanismos destinados à exoneração, em grave ruptura com o princípio da permanência do serviço público e com o princípio da impessoalidade na Administração Pública.

Vale ressaltar que não é verdadeiro que inexistam mecanismos para punir servidores públicos que eventualmente se comportem de modo indevido no exercício de suas atribuições.

A estabilidade, nos termos da Constituição já alterada pela Emenda nº 19/1998 (Reforma Administrativa do Governo Fernando Henrique Cardoso), é a garantia de todos os servidores públicos, após três anos de efetivo exercício em cargo para o qual foram nomeados devido a aprovação em concurso público, somente perderem o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado, mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa e mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho.

Os mecanismos jurídicos existem, e, se não são utilizados (e são, sobretudo no âmbito federal), não é problema do serviço público e dos servidores públicos em geral, mas sim má gestão pelos governantes que não se valem desses mecanismos nos casos pontuais em que tal necessidade comparece.

É verdade que esse julgamento, ao menos, não atinge a estabilidade dos atuais servidores públicos estatutários, que permanecerão com essa garantia. No entanto, os futuros servidores públicos que não sejam admitidos pelo regime jurídico estatuário não terão a garantia da estabilidade, o que permite antever a total desagregação da convivência funcional entre servidores estáveis e não estáveis, quebrando inclusive a solidariedade de classe e afetando a organização coletiva e sindical desses trabalhadores, diminuindo significativamente o potencial de resistência classista aos abusos de poder e o potencial de luta coletiva por direitos.

Assim, concretizam-se objetivos muito claros e definidos, no ponto, da “Reforma Administrativa” de 1998 (formalizada via emenda constitucional nº 19): desmontar o modelo de Administração Pública profissional, impessoal, permanente e prestador de serviços públicos universais e acessíveis a todos e principalmente aos que mais deles necessitam.